Sandro Gilbert Martins destaca diálogo entre as partes no novo Código de Processo Civil 02/10/2015 - 10:00

O advogado e professor de Direito Processual Civil Sandro Gilbert Martins destacou, durante o Ciclo de Palestras sobre o Novo CPC, promovido pela Escola Superior da PGE, que o novo Código de Processo Civil tem como clara a ideia da colaboração, cooperação e diálogo das partes com o juiz. “Isso reflete um papel mais democrático para o processo e gera automaticamente um equilíbrio maior entre todos os sujeitos”, disse, ao falar para procuradores presentes no auditório da Procuradoria Geral do Estado, em Curitiba, e outros que acompanhavam pela web.

A abordagem de Martins acerca do tema “Negócios Processuais e sua Aplicação pela Fazenda Pública” teve como pano de fundo os artigos 190 e 191 do Novo Código de Processo Civil:

“Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso.
§1º. O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.
§2º. Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.”


O advogado salientou que a discussão sobre autonomia das partes já vem de alguns anos e foi adotada por alguns países, enquanto a calendarização ainda é tema restrito. Segundo ele, apesar de o tema “negócios processuais” não ser novo, passou a ser “extremamente atual e importante” ao constar da nova legislação. “O tema tem a ver com a autonomia das vontades das partes, a capacidade que elas têm de negociar e seus efeitos no processo”, disse.

Martins destacou que a ciência processual ganhou autonomia com o decorrer do tempo, garantindo-se mais poder e autoridade ao juiz e esquecendo-se do interessado na tutela jurisdicional. “As partes figuravam até como algo que atrapalhava o processo”, afirmou. No entanto, reforçou que, na sociedade moderna, há cada vez mais experiências compartilhadas e situações novas, e é natural que isso se transfira para os processos. “Uma série de circunstâncias que vão acontecendo no dia a dia, daqui a pouco desembocam no Judiciário”, ponderou. “O processo tem de se adaptar a isso.”

MULTIPORTAS - O professor insistiu que a situação em que a decisão fica restrita ao juiz precisa mudar. “Eu tenho uma autonomia, uma liberdade no plano privado para fazer coisas que eu desejo e daí não consigo transportar isso para dentro do processo”, criticou. “Essa parte precisa se fazer ouvir.” Ele salientou a distinção entre processo estatal e processo arbitral, o primeiro extremamente publicista, rígido e autoritário, enquanto o segundo é extremamente liberal, possibilitando trocas. No entanto, é o menos procurado, segundo ele, em razão de não ter duplo grau de jurisdição e por ser muito caro.

“Nós estamos em um sistema dual e queremos migrar para um sistema que, na Inglaterra, vem se chamando de multiportas”, disse. Ele engloba a mediação, a conciliação, possibilita a flexibilidade de debater com a outra parte e com o juiz sobre o que pode ser mais adequado ao caso concreto, respeitando-se o processo legal. “O que todos queremos é ter acessível o melhor dos mundos. E qual é o melhor dos mundos? É eu ter essa liberdade, controlada evidentemente pelo juiz, mas dentro de um processo estatal. Que não precise me submeter às restrições de uma arbitragem seja no acesso, seja em tudo o que ela tem de diferente”, propôs.

Martins destacou que muito do que está no novo código, como o contraditório ou a necessidade de fundamentação da sentença pelo juiz já está na Constituição Federal de 1988. “No entanto, a gente não teve capacidade de entender, tem de vir a lei muito mais detalhista para criar a cultura, voltar a entrar nos trilhos que gostaríamos de ter entrado desde que a Constituição criou um novo mundo para nós”, afirmou. “Vamos precisar mais do que uma lei boa, vamos precisar de operadores com consciência disso tudo, com a vontade de mudar e abertos a essa mudança.”

FAZENDA PÚBLICA – Ao se referir especificamente à questão da Fazenda Pública, o professor Sandro Gilbert Martins disse que é preciso se socorrer principalmente das experiências de convenções arbitrais, como em relação a questões de família, guarda compartilhada de criança ou acordo para pensão alimentícia. “No processo, há cada vez mais espaço de consenso, ainda que haja uma disputa quanto ao direito discutido”, acentuou.

No entanto, ele prevê dificuldades a serem enfrentadas. A primeira é o grande volume de ações. “Mas isso é também a razão de ser das coisas, tem-se mais interesse em fazer convenção para se livrar desse volume”, ponderou. A segunda é o tratamento isonômico perante o jurisdicionado. “É preciso ter nítida a necessidade de um tratamento padrão para todo mundo”, orientou. E, por fim, reforçou que é preciso ter muito claro até que ponto se tem autonomia funcional para decidir. “Precisará ter capacidade e criatividade para regulações internas, criando margens para que os procuradores possam, dentro da autonomia e dentro de um padrão, exercer essa política de convenções processuais”, disse.

CURRÍCULO – Sandro Gilbert Martins é advogado, mestre e doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor da Escola Superior de Advocacia da OAB-Paraná e professor de Direito Processual Civil de graduação e pós-graduação no Paraná e em outros Estados, Martins também é membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Instituto dos Advogados do Paraná (IAP). Ele também foi conselheiro estadual da OAB/PR e é autor de diversos artigos e obras jurídicas.

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